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“A missão do Servo sofredor” – Roteiro homilético para o Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor

I. INTRODUÇÃO GERAL
O domingo de Ramos marca o início da Semana Santa. O conteúdo das leituras bíblicas deste domingo diz respeito à missão do Servo sofredor. Contra todo triunfalismo, Deus age na história, revelando seu plano de amor por meio das vítimas do poder. O movimento profético do Segundo Isaías, em pleno exílio da Babilônia, caracteriza os exilados como o “Servo sofredor”, amado por Deus. Especialmente nos quatro cânticos do Servo, o povo sofredor é retratado como “veículo” da bondade salvadora de Deus. No terceiro cântico, texto deste domingo, o povo quebrantado já não opõe resistência à voz de Deus; torna-se seu discípulo, assume o caminho da não violência e confia no socorro do Senhor (I leitura). A comunidade cristã contempla Jesus como o Servo sofredor que, assumindo a perseguição, a condenação, a paixão e a morte que lhe impõem seus inimigos, revela a plenitude de seu amor pela humanidade, em total confiança no socorro de Deus Pai (Evangelho). Jesus “se despojou de sua condição divina, tomando a forma de escravo… Abaixou-se e foi obediente até a morte sobre uma cruz” (II leitura). A celebração do domingo de Ramos constitui momento propício para manifestar gratidão a Deus pelo seu amor sem limites e para refletir sobre nossa responsabilidade, no mundo de hoje, de nos empenharmos, a exemplo de Jesus, pela causa da vida de todos, conforme refletimos ao longo desta Quaresma.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Is 50,4-7)
O movimento profético do Segundo Isaías surtiu efeito junto ao povo oprimido no exílio da Babilônia. Sua atuação se deu nos últimos anos do exílio, ao redor de 550 a.C. Após um período de prostração e desesperança, o povo vai recuperando o ânimo, especialmente com a perspectiva da volta para a Terra Prometida. Os quatro cânticos do Servo sofredor refletem o rosto dos exilados em seu processo de construção da esperança. Nessa caminhada, Deus manifesta sua presença amiga e consoladora.

O texto deste domingo corresponde aos primeiros versículos do terceiro canto do Servo sofredor. São palavras portadoras de muita fé e confiança em Deus. O Servo revela sua disposição de ouvir os apelos divinos e demonstra ter consciência da missão especial que Deus lhe dá. É a imagem do povo que não se sente abandonado, mas protegido e conduzido pelo Senhor. Essa certeza o leva a manter a cabeça erguida, resistir e perseverar mesmo no meio da incompreensão, das injúrias e das agressões dos inimigos. Tem a profunda convicção do socorro que vem de Deus. Por isso, tem a postura própria das pessoas pacíficas, a ponto de oferecer as costas aos que batem e o rosto aos que arrancam a barba.

O povo sofredor, Servo de Deus, está firme e confiante; manifesta total autonomia perante os poderosos que o oprimem. Essa situação foi conquistada mediante a intervenção divina. Foi Deus quem abriu os ouvidos do seu Servo amado a fim de que pudesse ouvi-lo numa atitude de discípulo; foi Deus também quem lhe “deu a língua de discípulo para que soubesse trazer ao cansado uma palavra de conforto” (v. 4). As pessoas servas de Deus, tanto ontem como hoje, demonstram firmeza e determinação, em profunda solidariedade com os abatidos e cansados. Elas assumem, na liberdade e na confiança, a missão de espalhar, no meio do povo, o fermento novo da justiça. Sua fidelidade à missão alicerça-se na escuta atenta e renovada da Palavra de Deus “de manhã em manhã”.

2. Evangelho (Mt 26,14-27,66)
Esse longo texto nos introduz no clima espiritual da Semana Santa, quando acompanhamos o processo de condenação e morte de Jesus. Ele é por excelência o Servo sofredor que, mesmo abandonado pelo seu grupo íntimo, incompreendido e ultrajado, permanece fiel à sua missão.

O processo envolve a traição de Judas, um dos doze. Ele negocia a entrega de Jesus por 30 moedas, o valor de um escravo naquela época. Apesar de Jesus conhecer a decisão que Judas tomou, e sabendo também da tríplice negação de Pedro, não os exclui da ceia em que institui a Eucaristia, sinal de sua presença viva nas comunidades e de sua plena doação pela vida do mundo. Judas vai arrepender-se de seu ato, mas não consegue superar o remorso. Prefere dar fim à vida. Diferentemente vai ser a atitude de Pedro, que, reconhecendo sua covardia, se arrepende e “chora amargamente” (26,75).

O relato ressalta a humanidade de Jesus em profundo sofrimento, no lugar do Getsêmani. Na sua total solidão, derrama sua alma diante do Pai, em quem pode confiar plenamente. Manifesta-lhe toda a sua fraqueza, pede-lhe socorro e dobra-se à vontade divina, mantendo-se firme na decisão de concluir sua tarefa, com todas as consequências. Os discípulos, que deveriam vigiar com Jesus e apoiá-lo nessa hora de extrema dor, preferem abandonar-se ao sono.

Jesus passou a vida fazendo o bem, fiel à missão que recebera do Pai. Sua fidelidade confronta-se com os grupos de poder, concentrados na capital, Jerusalém. O grupo da elite religiosa pertencente ao sinédrio mantinha seu poder à custa da exploração do povo empobrecido, legitimando suas posturas com interpretações interesseiras da Sagrada Escritura. Apesar de anunciarem a vinda do Messias, conforme as Escrituras, não podiam conceber que essa promessa se cumpriria na figura de alguém despojado de poder e solidário com os fracos e pequeninos. Não só isso: Jesus não adotou a mesma maneira dos rabinos de interpretar a Palavra de Deus e toda a tradição de Israel. Seu lugar social era outro. Por isso, era outro o modo de conceber as coisas. Enquanto a teologia oficial, com base no sistema de pureza, excluía da salvação as pessoas “impuras”, Jesus revela aos “impuros” seu amor prioritário e oferece-lhes a salvação divina.

O sinédrio, a instância religiosa judaica central para julgamento das pessoas suspeitas de crimes e de violações da Lei, procura achar um motivo convincente para condenar Jesus. Após muitos falsos depoimentos, apresentaram-se duas testemunhas (número mínimo necessário para a condenação de uma pessoa suspeita) que, também falsamente, depõem contra Jesus, dizendo que ele pregava a destruição do templo. Foi motivo suficiente: Jesus mexera com o que havia de mais sagrado. Era por meio do templo que o sinédrio alimentava seu poder.

As autoridades judaicas, porém, não tinham o poder de condenar uma pessoa à morte. Por conseguinte, Jesus é levado à instância política ligada ao Império Romano. Pilatos é seu representante. Nada percebe em Jesus que possa condená-lo. Até sua mulher lhe manda dizer que, em sonho (considerado o meio pelo qual Deus se manifesta), lhe fora revelado que Jesus era uma pessoa justa. Enfim, o inocente Jesus, por pressão da elite judaica, vai ser condenado. Pilatos lava as mãos e, no lugar de Jesus, solta Barrabás, acusado de assassinato.

A partir daí, Jesus vai sofrer toda espécie de humilhação. É a figura de um escravo sem defesa, entregue às mãos dos zombadores. É desnudado, vestido com um manto vermelho, coroado de espinhos, com um caniço na mão direita, e cuspido no rosto; enquanto lhe batem na cabeça, é saudado como “rei dos judeus”, uma das acusações que o levarão à condenação. Simão Cireneu é requisitado para ajudar Jesus a carregar a cruz, pois ele se encontra muito enfraquecido. Quando crucificado, lançam-lhe injúrias, pedindo-lhe que salve a si próprio, já que anunciou a destruição do templo, outra acusação no seu julgamento.

Eis o Servo na cruz, considerado “maldito de Deus”, conforme declara o texto do Deuteronômio (Dt 21,23). Porém, em seu sofrimento e em sua morte, paradoxalmente, manifesta-se a total solidariedade com os sofredores e realiza-se a redenção da humanidade. O véu do templo se rasga de cima a baixo: o Santo dos Santos fica exposto. A morte de Jesus “liberta” Deus, aprisionado pelo sistema religioso excludente, ressuscita os mortos e resgata a vida de todos. Nessa mesma hora, Jesus é reconhecido pelo centurião e pelos guardas como “Filho de Deus”.

3. II leitura (Fl 2,6-11)
Esse hino cristológico, que Paulo insere em sua carta aos Filipenses, é uma das primeiras formulações de fé das comunidades cristãs. Constitui um caminho essencial da espiritualidade cristã. O caminho, na verdade, é o próprio Jesus, que desceu livremente até o ponto mais baixo, tornando-se o último. O rebaixamento (quênose) se dá em quatro degraus: de sua divindade assume a condição humana, torna-se escravo, sofre a morte e morte de cruz. Esvazia-se totalmente de qualquer dignidade; reduz-se a nada.

Esse processo de aniquilamento, que Jesus livremente aceitou, denuncia toda espécie de poder. Renunciou não somente à sua condição divina, mas também aos próprios direitos naturais de uma pessoa comum. Como escravo, perdeu todas as possibilidades de defender-se das acusações injustas e, por isso, foi condenado e morto como “maldito”. Desse ponto mais baixo possível, é elevado pelo Pai ao ponto mais alto. Por causa de sua obediência e humilhação até as últimas consequências, foi exaltado por Deus, recebendo “o nome que está acima de todo nome” (v. 9).

O rebaixamento de Jesus revela sua solidariedade radical com os últimos da sociedade, com aquelas pessoas sem valor, desprezadas, excluídas e descartadas. Conduziu sua vida não para a realização de seus interesses próprios. Não veio em busca de honra e glória, mas, sim, como servidor voluntário das pessoas necessitadas. Esse Jesus, que se fez escravo, convida-nos ao seu seguimento. É nosso Mestre. Ele é Deus e Senhor de todas as coisas. A ele dobramos nossos joelhos e prestamos homenagem, juntamente com toda a criação.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO
– Deus chama o povo que sofre. Ele demonstra sua presença amiga e lhe dá força e consolo. Garante-lhe a volta à terra da paz e da liberdade. É o que meditamos na primeira leitura. Deus conta com as pessoas que se sentem fracas e injustiçadas. Enche-as de confiança e firmeza. São suas servas na construção de um mundo novo. Para isso, dá-lhes ouvido e coração de discípulos. Alimenta-as diariamente com sua Palavra. Como servos de Deus, mesmo no meio de dificuldades e sofrimentos, somos chamados a erguer a cabeça e encorajar os que estão abatidos e sem esperança. Deus nos sustenta com a Palavra e com a Eucaristia na caminhada para uma nova terra.

– Jesus é o Servo de Deus que se entrega para a vida do mundo. O domingo de Ramos é o início da caminhada de Jesus, em sua entrega total pela causa da vida plena de toda a humanidade. Entra em Jerusalém, aclamado pelo povo. É perseguido, aprisionado e condenado pelos que não aceitam sua proposta de amor. Permanece firme como Servo de Deus e do povo. Sua fidelidade nos trouxe a salvação. Nesta Semana Santa, ao acompanhá-lo em seu caminho de sofrimento e morte, somos convidados a rever se estamos sendo fiéis à sua proposta. Ele nos preveniu: “Quem quiser ser meu discípulo, tome sua cruz e me siga” (Mt 16,24).

– Jesus se fez o último para elevar a todos. Com liberdade, escolheu a condição de Servo, denunciando toda forma de dominação. No mundo em que vivemos, alguns procuram concentrar o poder e os bens, rompendo com os princípios da igualdade, da justiça e da fraternidade. Nós, como discípulos missionários do Senhor, recebemos a missão de denunciar todas as situações que prejudicam a vida e escolhemos o serviço mútuo como caminho de transformação do mundo.

Celso Loraschi (é mestre em Teologia Dogmática com Concentração em Estudos Bíblicos)

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