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O Espírito de ressurreição e de vida (5º domingo da Quaresma)

Por Celso Loraschi*

 

I. INTRODUÇÃO GERAL

Deus se revela por meio da palavra profética. Na primeira leitura, Ezequiel anuncia vida nova para os que se encontram sem esperança, no túmulo do exílio da Babilônia. Deus ama prioritariamente o povo em situação de sofrimento. Está junto aos exilados e promete-lhes a volta à terra de Israel, devolvendo-lhes a liberdade. O dom do Espírito de Deus revigora o coração do povo e lhe suscita vida (I leitura). A revelação plena de Deus se dá na pessoa de seu Filho, Jesus. Ele é o caminho da vida por excelência. Pelo relato da ressurreição de Lázaro, a comunidade cristã afirma que Jesus é a ressurreição. Quem vive e crê nele jamais morrerá (Evangelho). Deus se revela também por meio do testemunho dos seguidores de Jesus, como o de Paulo. Escrevendo aos romanos, orienta-os para uma vida nova, proveniente da fé em Jesus Cristo. É a vida no Espírito. Este habita cada pessoa e suscita vida aos corpos mortais (II leitura). Os três textos enfatizam a vitória da vida sobre a morte como dom de Deus. Seu Espírito nos faz novas criaturas: transforma, reanima, fortalece, ressuscita…

 

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Ez 37,12-14)

Na tradição judaico-cristã, profecia é tempo de graça: tempo que se faz pleno porque Deus se comunica e interpela seu povo, recordando sua aliança e demonstrando seu amor. Ezequiel profetiza junto aos exilados na Babilônia, ao redor do ano 580 a.C. O povo encontra-se mergulhado em profunda crise. Está longe da terra que Deus lhe concedeu, conforme a promessa feita a Abraão. Sente-se abandonado por Deus e sem esperanças de futuro. A situação realmente parece desesperadora. Nesse pequeno texto, aparece três vezes a palavra “túmulos”. Deus, porém, não se conforma com a morte de ninguém. Por isso, suscita o profeta Ezequiel para anunciar novo tempo: vai infundir nos exilados seu Espírito, que lhes dará força e coragem para se reerguerem das cinzas.

Em nome de Deus, Ezequiel anuncia um novo êxodo. No primeiro êxodo, Deus libertou seu povo da escravidão do Egito e lhe deu a Terra Prometida. Agora, Deus vai livrá-los do domínio da Babilônia e serão reintroduzidos na terra de Israel. O jugo estrangeiro será quebrado, e o povo disperso (parecendo ossos secos espalhados num vale) poderá voltar a se reunir em sua própria terra, onde habitará com segurança. Isso acontecerá pela intervenção gratuita de Deus. Ele desperta para a vida os que se encontram em situação de morte. Faz sair os esqueletos dos seus túmulos. Reanima os “cadáveres ambulantes”. Seu Espírito penetra nos corpos sem vida. O povo disperso e abandonado toma consciência de que é amado por Deus e, por isso, descobre ser capaz de mobilizar-se para a reconquista da terra de liberdade.

 

2. Evangelho (Jo 11,1-45)

A narrativa da ressurreição de Lázaro corresponde ao último dos sete sinais de libertação realizados por Jesus no Evangelho de João. Os relatos dos sete sinais procuram levar os cristãos a refletir sobre o sentido profundo dos fatos da vida humana: a falta de vinho numa festa de casamento (2,1-12), a doença do filho de um funcionário real (4,46-54), o paralítico à beira da piscina de Betesda (5,1-18), a fome do povo (6,1-15), o barco dos discípulos ameaçado pelas águas do mar (6,16-21), o cego de nascença (9,1-41) e, finalmente, a morte de Lázaro. Todos eles visam apresentar Jesus como o Messias que veio para resgatar a vida plena para os seres humanos. Em cada sinal, percebe-se um propósito pedagógico: a representação de um caminho novo apontado por Jesus para derrubar todas as barreiras que impedem a pessoa de realizar-se plenamente.

Jesus é o “Bom Pastor” que dá a vida por suas ovelhas (Jo 10,11). Ele é o verdadeiro caminho para a vida com dignidade e liberdade, vencendo as causas de todos os males. Vence a própria morte: é a vida definitiva. Somente os que creem em Jesus, com convicção, compreendem e acolhem essa verdade. Portanto, a finalidade principal dos sinais é levar os discípulos à fé autêntica. Ao informar que Lázaro havia morrido e que, por isso, iria ao seu encontro, Jesus diz aos discípulos: “É para que vocês creiam” (v. 15). Também lemos no final do Evangelho: “Jesus fez ainda muitos outros sinais, que não se acham escritos neste livro. Esses, porém, foram escritos para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenham a vida em seu nome” (Jo 20,30-31).

As personagens que aparecem no relato – Marta, Maria e os judeus – refletem diferentes concepções a respeito de Jesus. Primeiramente, podemos observar o comportamento de Marta. Sabendo que Jesus chegara a Betânia, “saiu ao seu encontro” e a ele se dirigiu, chamando-o pelos títulos cristológicos de “Senhor” e “Filho de Deus”. Diante da promessa da ressurreição, declara-lhe convictamente sua fé: “Sim, Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus que vem ao mundo” (v. 27). E vai anunciar à sua irmã Maria, que, por sua vez, imediatamente segue ao encontro de Jesus, mas não consegue declarar a fé nele como fez Marta. Está ainda angustiada e paralisada diante da realidade da morte. Já os judeus apenas seguem Maria, sem ter consciência de ir ao encontro de Jesus, nem muito menos fazer-lhe alguma confissão de fé.

São três modos de comportar-se diante de Jesus. O comportamento de Marta é o retrato das pessoas que têm fé em Jesus Cristo, o Filho de Deus, Salvador da humanidade. Para os que acreditam nele, a ressurreição é realidade não apenas para o futuro, mas para o presente. Toda atitude em favor da vida é sinal de ressurreição e gesto de glorificação de Deus, criador e libertador.

Os autores do Evangelho fazem questão de mostrar o rosto humano de Jesus. Ele participa da dor das pessoas que sofrem, comove-se e chora. Sua comoção, porém, pode ser traduzida como impaciência com a falta de fé tanto de Maria como dos judeus. Para além das lamentações, Jesus reza ao Pai para que, diante desse sinal definitivo da ressurreição, “eles acreditem” nele como enviado de Deus.

Lázaro (cujo nome significa “Deus ajuda”) está enterrado há quatro dias. O “quarto dia” refere-se ao tempo depois da morte de Jesus; é o tempo das comunidades que creem em Jesus morto e ressuscitado. Portanto, é o tempo da graça por excelência, que deve ser vivido de forma totalmente nova. Lázaro e as comunidades cristãs são chamados a sair dos túmulos do medo, da acomodação, do egoísmo e da tristeza; são chamados a “desatar-se” das amarras dos sistemas que oprimem e matam. As pessoas de fé autêntica, seguidoras de Jesus, são verdadeiramente livres. O “quarto dia” é o tempo da ressurreição, dom de Deus.

 

3. II leitura (Rm 8,8-11)

Viver no Espírito de Cristo é o que propõe São Paulo aos romanos. Somente no capítulo 8, aparece mais de vinte vezes a palavra “espírito”. A vida no Espírito Santo contrapõe-se à vida segundo a carne, ou seja, aos instintos egoístas. Toda pessoa carrega dentro de si essas duas tendências, que lutam entre si permanentemente. Aquelas que foram regeneradas em Jesus Cristo estão mergulhadas em seu Espírito. Por isso, possuem a luz e a força do próprio Jesus, que realizou a vontade de Deus e redimiu a humanidade. Ele nos justificou pela graça e nos tornou novas criaturas, participantes de sua natureza divina.

Estar com o Espírito de Cristo, porém, não significa anulação da tendência para o pecado. A tensão à santidade deve ser permanente. É uma questão de opção fundamental pelo mesmo modo de pensar e de agir de Jesus. Ele mesmo advertiu que “ninguém pode servir a dois senhores” (Mt 6,24). Paulo lembra que os cristãos não podem viver segundo a carne e segundo o Espírito ao mesmo tempo. Não se pode viver na liberdade e na escravidão ao mesmo tempo.

Na carta aos Gálatas, Paulo escreve: “Foi para sermos livres que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). Ele nos libertou da escravidão do pecado por pura graça. Portanto, somente na graça de Jesus Cristo vivemos a autêntica liberdade. Somente no Espírito de Jesus nos libertamos da escravidão das obras dos instintos egoístas. Para não haver dúvidas sobre os dois caminhos que se opõem entre si, Paulo fala a respeito das obras que caracterizam cada um deles: “As obras da carne são manifestas: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, rixas, ciúme, ira, discussões, discórdia, divisões, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a estas… Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio” (Gl 5,19-23).

Uma vez que aderimos, pela fé, a Jesus Cristo, a ele pertencemos e seu Espírito habita em nós. Esse Espírito é o agente das obras que agradam a Deus. Podemos, então, contar com a plenitude de sua graça. Assim, morremos para as obras do egoísmo e permanecemos na vida. Pois o mesmo “Espírito daquele que ressuscitou Cristo Jesus dentre os mortos […] dá a vida aos [nossos] corpos mortais” (v. 11). Temos a graça de viver desde agora a vida eterna, pois em Cristo fomos divinizados.

 

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

– O Espírito de Deus move a história. Como foi revelado ao profeta Ezequiel, não há situação que não interesse a Deus. Ele intervém na história humana para transformá-la em história da salvação. Concede seu Espírito para libertar o ser humano de toda espécie de escravidão e conduzi-lo à liberdade. O Espírito de Deus nos faz sair dos “túmulos” da desesperança, do medo, da acomodação… Deus não se conforma com o abandono e a morte de ninguém. Ele é o Deus da vida em plenitude. As crises e dificuldades de nosso tempo são desafios que podem ser enfrentados como fez o povo exilado na Babilônia: na confiança em Deus e na esperança ativa.

– Jesus é a fonte da verdadeira vida. Como “Bom Pastor”, ele se interessa pelas necessidades de todos nós. Oferece sua amizade e sua companhia permanente. Conta conosco para continuar sua obra. Os sinais que realizou são indicativos para a missão das comunidades cristãs. A ressurreição de Lázaro aponta para o novo modo de ser Igreja, organizada de forma participativa e corresponsável. Uma Igreja composta de pessoas redimidas pela graça, ressuscitadas em Cristo. Cada um de nós é chamado a declarar sua fé de modo prático, na certeza de que o bem pode vencer o mal e de que a morte não tem a última palavra. Nesse sentido, é importante que prestemos atenção nos apelos da Campanha da Fraternidade deste ano.

– O Espírito de Cristo mora em nós. Cabe a cada pessoa viver de tal modo, que esteja permanentemente na comunhão com Jesus Cristo. Se nos deixamos conduzir pelo Espírito de Jesus que habita em nós, realizamos as obras que agradam a Deus. Morremos para o egoísmo e ressuscitamos no amor. Nosso corpo mortal recebe a graça da imortalidade. Se, porventura, quebramos essa unidade, Deus nos concede a graça da reconciliação. Eis a Quaresma, tempo de conversão, tempo de salvação.

Celso Loraschi é mestre em Teologia Dogmática com Concentração em Estudos Bíblicos.

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