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Roteiro homilético: 11 de Agosto (19º DOMINGO DO TEMPO COMUM)

A carne de Jesus: alimento para a vida eterna

I. INTRODUÇÃO GERAL

A imagem do deserto é recorrente nas Escrituras e recorda uma experiência importante para o povo da Bíblia: a libertação do Egito e a aliança com Deus. Muitos de nós não conhecem esse bioma fisicamente, mas podem imaginá-lo pelas descrições e se apropriar dessas informações para pensar na existência humana e na fé.

Metaforicamente, o deserto pode representar um tempo árido na vida, um recolhimento reflexivo e um apelo à contemplação. São momentos oportunos, um tempo de graça, e favorecem o amadurecimento humano, fecundam as ideias e projetam novas perspectivas. Assim, as leituras nos ajudam nessa jornada vital que todos atravessam em algum período da vida. A liturgia pode ser um instante de refúgio para seguirmos melhor adiante.

O elenco dos textos apresenta um profeta cansado, que se recolhe para nova experiência com Deus. Elias volta à fonte da fé confessada por Israel para refazer o próprio caminho de vida. O alimento para seguir animado seu percurso prefigura o “pão da vida” explicado por Jesus no Evangelho. Quem dele come possui a vida eterna. Saciamo-nos dessas iguarias dadas por Deus para vivermos o amor como ele amou, oferecendo a própria vida.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (1Rs 19,4-8)

Os dois livros dos Reis relatam episódios relacionados com o período da monarquia de Israel. Não se preocupam com descrições jornalísticas dos fatos, mas com a ação de Deus na história e em gerar fé nas pessoas que leem o texto. Entre tantos eventos ligados aos reis, há um espaço para o profeta Elias.

A leitura se situa em um momento em que o profeta se encontrava desolado por conta da sua proclamação contra Acab e Jezabel e os falsos profetas de Baal (1Rs 18,1-19,2). Queriam tirar-lhe a vida, por isso ele partiu para o deserto a fim de se proteger e continuar a missão (1Rs 19,3).

Elias se refugiava naquele lugar que recordava a aliança de Deus com seu povo. Por um instante, ele parou sob um arbusto e pediu a Deus a própria morte, pois se afligia com as ameaças e com a responsabilidade da missão, como Jonas (Jn 4,3.8) e Jó (Jó 7,15). Ali, deitou-se e adormeceu (v. 5).

Deus responde à oração do profeta e envia seu mensageiro (anjo) para comunicar-lhe a continuidade do seu ofício. A ordem é para que ele se levante e coma (v. 5). Assim faz Elias: encontra o pão e a água, mas volta ao sono de antes, tentando escapar do desafio de profetizar.

O anjo novamente toca Elias e manda que se levante e coma, pois ainda há longo caminho a percorrer. Então, o profeta se ergueu, comeu e bebeu. Sustentado pelo alimento celestial, caminhou quarenta dias até o Horeb, o monte da manifestação de Deus (Ex 33,18-23; 34,10-28). O número 40 representa o tempo do povo no deserto (Nm 14,33) e de Moisés na montanha (Ex 24,18; 34,28; Dt 9,9).

Elias percorre o caminho do povo a quem ele serve como profeta e recorda a aliança de Deus com seu povo. As imagens do deserto, do monte, do alimento e do anjo remetem à experiência do êxodo. Assim como Deus guiou seu povo no passado, guiará igualmente Elias para a continuidade da missão.

2. II leitura (Ef 4,30-5,2)

Continuamos a ler a carta aos Efésios nestes próximos domingos do Tempo Comum. As recomendações práticas para os membros da comunidade iluminam nosso momento presente.

O trecho segue com as indicações para uma vida renovada. Primeiramente, não contristar o Espírito Santo, com o qual Deus selou os efésios para a salvação definitiva (v. 30). Por conseguinte, devem desaparecer das relações entre os irmãos e irmãs as amarguras, irritações, cóleras e toda espécie de maldade, pois a ação do Espírito de Cristo deve levar a novos comportamentos.

A seguir, o autor apresenta as proposições afirmativas (4,32-5,2). O fiel deve ser bom com os outros, compassivo, perdoar a quem precisa, imitar a Deus, enfim, amar como Cristo, ofertando a própria vida como oblação. Ocorre, no último versículo, a linguagem cultual para apresentar a maneira de Cristo amar, como “oferenda de agradável odor” (Ex 29,18; Lv 1,17).

O pão que nos sustenta e alimenta pode nos inspirar posturas diferentes para a ação cotidiana. A Palavra ouvida, saciada e celebrada deve nos ajudar a ter atitudes e gestos para com o próximo mais condizentes com a escolha de fé.

3. Evangelho (Jo 6,41-51)

Acompanhamos, nos últimos domingos, o discurso sobre “o pão da vida” (Jo 6): uma catequese eucarística que se desenrola em Cafarnaum (Jo 6,24-25), por consequência da multiplicação dos pães (Jo 6,1-14).

O trecho deste domingo se inicia com a “murmuração” dos judeus (v. 41), porque Jesus se apresenta como pão descido do céu. O ato dos judeus lembra as reclamações por alimento na saída do Egito (Ex 16,2). Tal atitude é descrita, na tradição judaica, como falta de fé. Portanto, temos uma oposição desses interlocutores a Jesus por causa de sua identidade. Eles pensam apenas na origem humana: “Este não é Jesus, o filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe?” (v. 42).

Então, Jesus adverte-os para que tenham outra postura, diferente da dos antepassados no deserto (Nm 14). Ensina-lhes que as pessoas que vão até ele são atraídas pelo Pai, a quem os judeus chamam de Deus. Jesus ressuscitará esses fiéis no último dia (v. 44). Portanto, quem não acolhe sua mensagem, como esses judeus nesse trecho do Evangelho, não está em sintonia com o Pai, não conhece os desígnios de Deus.

Quando alguém acredita, revela-se o sentido pleno da palavra da Escritura: “Todos serão discípulos de Deus” (Is 54,13; Jr 31,33-34). Quem ouve a voz de Deus e dele aprende vai a Jesus, pois este foi enviado pelo Pai. A propósito, os judeus queriam muito ver a Deus. Ninguém o viu. Só Jesus, que vem junto do Pai, é quem o viu e o revelou aos que creem (Jo 1,18).

A passagem se conclui com a afirmação de Jesus de que quem nele crê tem a vida eterna (Jo 3,15.16.36). Jesus é o pão da vida! Os antepassados dos interlocutores de Jesus comeram o maná no deserto e morreram por lá. O maná saciava apenas a matéria, que se deteriora com o tempo. Jesus é alimento que vem de Deus (desce do céu) para gerar vida eterna em quem dele se aproxima. Ele não apenas dá a vida, mas também possui a vida em si mesmo (Jo 1,4; 5,26).

Por fim, Jesus especifica e sintetiza seu ensinamento, explicitando qual alimento ele oferece. O pão vivo que desceu do céu é sua carne para a vida do mundo (v. 51). A palavra “carne”, preciosa para João (1,14), designa a realidade humana com suas possibilidades e fraquezas (Jo 3,6; 8,15). A humanidade de Jesus, sua existência terrena e o mistério de sua vida são oferecidos para que quem nele crê possua a vida eterna.

A Eucaristia dada por Jesus e celebrada por nós é o memorial dessa entrega de si que culminou na cruz. Cada vez que comungamos do pão “eucaristizado”, estamos acolhendo o dom de sua vida, entregue por amor a cada um de nós. Esse alimento gera a vida eterna em nós e nos conduz à eternidade definitiva para a qual fomos criados.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Nossa existência é marcada por momentos bons e ruins. A dinâmica de viver nos exige sabedoria para lidar com as variações e as surpresas que nos vêm. Apenas na virtualidade das mídias sociais a vida parece não ter problemas.

O deserto é uma metáfora para representar a travessia deste tempo para a eternidade. Algumas vezes, precisamos de um refúgio, como Elias, para refazer as forças, experimentar a Deus, alimentar-nos e recobrar o ânimo para levantar-nos e seguir. Esse refúgio pode ser um lugar ou um tempo para tal finalidade. A gruta do Horeb deve ser nosso interior, no qual Deus se manifesta e nos encoraja para a missão.

Saciamos nossa fome e sede com o “pão da vida”, a carne de Jesus oferecida a nós em cada Eucaristia. Encontramos no Senhor a força para não desistir diante dos desafios, sejam pessoais, profissionais, familiares etc. A comunhão com o corpo do Cristo nos faz viver seu amor e encontrar sentido para existir.

Neste domingo ainda recordamos o dia dos pais e o início da Semana da Família em muitas dioceses do Brasil. Que vivamos em nossos lares o que escutamos na Palavra de Deus. Celebrar bem a liturgia significa vivenciar o que aprendemos e praticar o que oramos.

Pe. Marcus Mareano*é presbítero da arquidiocese de Belo Horizonte, doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje) e pela Universidade Católica de Lovaina (KU Leuven). Professor de Bíblia em alguns seminários. No momento, desenvolve uma pesquisa de pós-doutorado na Universidade Católica de Lovaina (KU Leuven).

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