Sereis minhas testemunhas desde Jerusalém até os confins do mundo!
I. INTRODUÇÃO GERAL
A solenidade da Ascensão do Senhor nos recorda que Jesus nasceu, sofreu, morreu e ressuscitou dos mortos por nós. Agora, ele retorna ao Pai porque cumpriu sua missão terrena e por isso recebe do Pai a autoridade para nos enviar em missão. Jesus, ao retornar ao Pai, assegura aos seus discípulos que permanecerá com os seus até o fim.
A primeira leitura, dos Atos dos Apóstolos, relata a ascensão do Senhor. As últimas palavras de Jesus aos seus discípulos, segundo esse relato, são estas: “Recebereis poder ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria, e até os confins da terra”. Fica claro que o Espírito Santo é o último dom do Ressuscitado à comunidade dos discípulos. Fortalecida pelo poder do Espírito Santo, a Igreja vence o medo e se põe no caminho do testemunho público de Jesus Cristo.
A segunda leitura, tomada da carta aos Efésios, apresenta-nos uma meditação sobre o que significa a ascensão de Jesus à glória depois de ter descido a este mundo para dar sua vida pela nossa salvação. Esse texto nos faz forte convite a tomarmos consciência da esperança a que fomos chamados: a vida plena em comunhão com Deus. Abraçar a fé em Jesus Cristo significa caminhar ao encontro dessa esperança como membros de um só corpo, cuja cabeça é Jesus Cristo. Na conclusão do Evangelho de São Marcos, temos novamente o desafio de proclamar nossa fé: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura”. Jesus aparece aos seus discípulos para ajudá-los a vencer o medo, a desilusão, o comodismo, e enviá-los em missão ao mundo inteiro como testemunhas de seu projeto de salvação.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (At 1,1-11)
A leitura dos Atos dos Apóstolos desta solenidade vincula a missão do Ressuscitado com a missão da comunidade dos discípulos. Ao dirigir-se a Teófilo, cujo nome significa “amigo de Deus”, nos dois relatos – no Evangelho e em Atos –, Lucas quer expressar que, na ascensão, Jesus estabelece uma continuidade entre a sua missão e a missão de seus discípulos.
No relato da ascensão, Jesus dirige suas últimas palavras aos discípulos, prometendo-lhes o dom do Espírito Santo: “Sereis batizados no Espírito Santo […] e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria, e até os confins da terra” (v. 8). A tarefa da construção do Reino, iniciada por Jesus, não se encerra com sua ressurreição; precisa ser concretizada continuamente na história, e isso exige empenho de todos aqueles e aquelas que o seguem. É para a missão de construir o Reino de Deus que Jesus diz que precisamos da força do Espírito Santo.
Na ascensão, Jesus conclui seu ensinamento e sua missão terrena. Assim, Lucas nos narra a exaltação de Jesus Cristo. Ele é envolvido pelas nuvens, que estão entre o céu e a terra, para exprimir sua divindade. Com essas imagens, o evangelista expressa o mistério de Deus – escondido, mas presente. Céu e terra, presença e ausência, luz e sombra, divino e humano são as dimensões aqui reveladas pelo Ressuscitado, que é elevado à glória do Pai, mas continua presente na comunidade cristã pela força do Espírito Santo. Os dois homens vestidos de branco, que simbolizam criaturas divinas, exortam a comunidade a contemplar o que se passa na terra, pois Jesus já retornou ao Pai. Por isso, convidam os discípulos a continuar o caminho de Jesus, olhando para o futuro e entregando-se ao seu projeto de construção do Reino. Com o relato da ascensão, Lucas quer ressaltar que a pregação e o testemunho das comunidades cristãs são uma obra enraizada no próprio Jesus e impulsionada pelo Espírito Santo.
2. II leitura (Ef 1,17-23)
A segunda leitura, da carta aos Efésios, é uma oração de intercessão pelos cristãos destinatários da carta e uma ação de graças a Deus por aqueles que abraçaram a fé em Jesus Cristo. O centro dessa oração é a intercessão ao Pai para que conceda à comunidade de Éfeso o espírito de sabedoria, como dom precioso do Espírito Santo. Essa sabedoria consiste em compreender o propósito salvífico de Deus, recebido com uma grande bênção.
Essa oração nos recorda que os cristãos foram adotados como membros da família divina por meio de Jesus Cristo. Portanto, a vocação cristã se origina exclusivamente na graça de Deus, que nos elegeu como filhos e filhas gratuitamente. Chamados a viver na esperança e na confiança, os discípulos têm um propósito: viver na luz para vencer as obras das trevas. Como filhos de Deus e coerdeiros de Cristo, herdarão as bênçãos espirituais para caminhar na luz e vencer as trevas do mal. Por isso, os destinatários dessa mensagem não precisam temer nenhuma força cósmica, pois é o poder de Deus que age no mundo.
Essa bela oração descreve como Deus concedeu a herança aos cristãos e como se realiza a extraordinária grandeza de seu poder em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o assentar-se à sua direita nos céus, acima de todo principado, autoridade, poder e soberania. Dizer que Jesus é a cabeça da Igreja significa que ele e sua comunidade formam uma só unidade e, entre os dois, há uma comunhão total de vida e de destino; significa também dizer que Cristo é o centro ao redor do qual se articula e se organiza todo o corpo; significa ainda que toda a Igreja está submetida à sua obediência e depende dele para ter vida em plenitude. Ela é o receptáculo, a habitação onde Cristo se torna presente no mundo pela ação de seu corpo, isto é, da comunidade dos fiéis.
3. Evangelho (Mc 16,15-20)
A liturgia deste domingo da Ascensão apresenta a conclusão do Evangelho segundo o relato de Marcos. O evangelista narra o desafio que é, para os discípulos de Jesus, proclamar a Boa-nova a toda a criação. As primeiras comunidades cristãs viram e celebraram esse evento para fazer memória da continuidade da obra de Cristo: elas eram sustentadas por sua presença, de modo que ele não estava apenas à direita do Pai, mas com elas em suas provações, protegendo-as. E porque Cristo estava com elas, tiveram a força de ir além-fronteiras, pregando seu Evangelho e tornando-o presente em todos os lugares.
Essa leitura faz parte do longo discurso final do Evangelho segundo Marcos, o qual apresenta um último resumo da explicação do significado da vida, morte e ressurreição de Jesus. Marcos não oferece uma descrição da ascensão do Senhor, mas vê todo o mistério da salvação à luz da Páscoa. Trata-se da Boa Notícia de que todos os que respondem a Jesus com fé são salvos, e o poder do Cristo ressuscitado estará com a Igreja para garantir o sucesso de sua missão. Os sinais mencionados não devem ser interpretados literalmente, mas mostram que, em Jesus, o bem triunfa e o mal foi derrotado. A afirmação de que aqueles que não acreditam serão condenados é entendida pela Igreja não como uma afirmação de que apenas os cristãos entrarão no céu; antes, é um alerta sobre aqueles que se recusam conscientemente a responder ao Deus que atua em suas vidas. Aos cristãos é sempre pedido que deixem o julgamento para Deus.
A questão central desses versículos é o papel dos discípulos no mundo, após a partida ao encontro do Pai. O texto apresenta três diretivas: é Jesus quem define a missão dos discípulos; ele terminou sua missão terrena e retorna ao Pai; os discípulos são enviados a atuar no mundo, a fim de concretizar a missão que Jesus lhes confiou. O anúncio da Boa Notícia de Jesus Cristo deve atingir a todos. A proclamação do Evangelho destina-se a transformar todas as situações de pecado, propondo nova forma de relação entre as pessoas e com a natureza. Em suma, a festa da Ascensão é, sobretudo, o momento em que a Igreja toma consciência de sua missão e de sua natureza missionária para testemunhar a proposta de salvação e libertação ao mundo inteiro.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Jesus foi ao encontro do Pai depois de se doar totalmente à construção de um mundo melhor, que ele definiu como a chegada do Reino de Deus. Portanto, celebrar a Ascensão do Senhor significa, em primeiro lugar, tomar consciência da missão que Jesus confia a todos os seus discípulos e discípulas, na qual todos somos responsáveis por tornar o Reino de Deus uma realidade neste mundo.
A missão que Jesus confia à Igreja tem uma dimensão universal. Supera as fronteiras geográficas, de raça, de cultura, de grupos sociais, pois isso não deve ser obstáculo para o anúncio da Boa-nova de Jesus Cristo. Temos consciência de que a missão a nós confiada é construir a fraternidade universal? Temos consciência de que Jesus nos envia a superar todas as barreiras que impedem a humanidade de ser herdeira da graça da salvação? Tenho consciência de que sou responsável por superar todas as formas de divisões que afastam as pessoas da proposta divina de libertação e salvação?
A vocação cristã é um desafio constante para testemunhar os valores do Reino anunciados por Jesus. Somos chamados e enviados por ele para produzir frutos que permanecem para sempre. Frutos do amor, da solidariedade, da justiça, do cuidado ao necessitado.
Ir. Izabel Patuzzo, pime*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção. Doutora em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: isabellapatuzzo@hotmail.com