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Roteiro homilético: 24 de Setembro (25º DOMINGO DO TEMPO COMUM)

O Reino dos Céus é gratuidade

I. INTRODUÇÃO GERAL

Somos servidores da vinha do Senhor. O Evangelho deste domingo nos apresenta uma parábola na qual Deus – o patrão, o senhor da vinha – faz um convite a cada um de nós, seus servidores: “Ide também vós para a minha vinha” (Mt 20,4.7). Ser convidado(a) para trabalhar na vinha do Senhor não é privilégio, mas responsabilidade, que nos cabe assumir com humildade e sabedoria. Servir não deve ser entendido como status, vaidade, mas, principalmente, como responsabilidade. Na primeira leitura, o profeta Isaías, na segunda parte de seu livro, desafia os exilados – que em breve retornarão para Judá – a permanecerem firmes, não fazendo juízos equivocados da ação divina. Deus não se equivoca, mas seu povo, sim; ele, de sua parte, é bondoso e compassivo. É para tais sentimentos e atitudes que o povo é admoestado a se converter. Na segunda leitura, Paulo convida os filipenses a guardar com fidelidade o Evangelho a eles anunciado. A comunidade mais querida por Paulo escuta sua despedida – sinal de que ele confia nas pessoas que lá vivem e sabe que elas têm a capacidade de ouvir seu testamento em meio às fadigas da prisão, por volta do ano 55 d.C.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Is 55,6-9)

O Segundo Isaías ou Dêutero-Isaías (Is 40-55) – como é conhecido o profeta que está vivendo no período do cativeiro da Babilônia –, entre os anos de 587 e 537 a.C., já no final desta segunda parte do livro, anuncia uma mensagem de esperança, em vista dos bens futuros reservados ao povo, que deverá retornar a Judá. Com o edito de Ciro, rei da Pérsia, que pôs fim ao exílio, os exilados retornarão felizes para Sião (Esd 1,2-4).

A mensagem de encorajamento do profeta é para que o povo se mantenha firme na esperança, que revigora os corações entristecidos e abatidos. Ele diz: “Buscai o Senhor, enquanto se pode encontrá-lo; invocai-o, enquanto está perto” (v. 6). Seu convite se estende ainda ao malvado, àquele que trilha caminhos de morte, a fim de que mude seus planos, voltando para o Senhor, pleno de compaixão.

Mesmo em meio às provações que o povo vive, o profeta tem, diante dos olhos, a certeza da fé em um Deus compassivo, terno e bondoso, mas, ao mesmo tempo, justo – que exige de todos constante mudança de atitude (arrependimento e conversão).

Os últimos versículos emanam diretamente as palavras de Deus. Diz o texto: “Pois os meus pensamentos não são como os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são os meus caminhos, diz o Senhor. Quanto os céus estão acima da terra, assim estão os meus caminhos acima dos vossos caminhos e meus pensamentos acima dos vossos pensamentos” (v. 8-9). Tanto o caminho – que representa o lugar da práxis da fé – quanto o pensamento – que é a emanação do coração humano em direção ao coração de Deus – traduzem meios para nos ligarmos ao Criador.

2. II leitura (Fl 1,20c-24.27a)

Paulo está no momento de sua despedida da comunidade de Filipos, a primeira por ele fundada em terras europeias, em sua segunda viagem missionária, por volta de 50 d.C. Paulo a considera a “menina dos seus olhos” e transborda de afeto por ela nesta epístola. Ele

escreve ao povo filipense desde seu cativeiro, provavelmente em Éfeso, por volta do ano 55 d.C., respondendo à comunidade, que ansiava saber como ele se encontrava física, psíquica e espiritualmente. Paulo, de modo enfático, diz: “Cristo agora será engrandecido no meu corpo, seja pela vida, seja pela morte. Para mim, de fato, o viver é Cristo e o morrer, lucro” (v. 20c-21).

Paulo está em meio a uma encruzilhada moral e espiritual: deseja viver, mas, ao mesmo tempo, deseja partir para o encontro de Cristo, seu Senhor, na glória celeste. Ele sabe que, em breve, receberá a coroa do martírio. Contudo, ainda deve permanecer corporalmente junto à comunidade (v. 24), amparando-a e sendo para ela um suporte.

Paulo, no v. 27, em tom parenético, admoesta a comunidade filipense para que permaneça firme em Cristo, ainda que o apóstolo esteja com eles. É preciso que se mantenham num mesmo espírito, lutando juntos, com uma só alma, pela fé no Evangelho. Essa parênese se sustenta sobre o verbo imperativo “comportai-vos” ou “vivei” (em grego, politeúeste). Esse verbo, atrelado ao seu complemento – “de maneira digna do Evangelho de Cristo” –, ilumina toda ação apostólica da comunidade, que tem como fim a salvação em Cristo.

3. Evangelho (Mt 20,1-16a)

A parábola deste domingo é contada em Jerusalém. Com efeito, em 19,1 Mateus afirma que, “depois que concluiu essas palavras, Jesus deixou a Galileia e foi para a região da Judeia, do outro lado do Jordão”. O relato em questão começa com uma introdução reveladora: “De fato, o Reino dos Céus é como…”. Trata-se de uma parábola do Reino, que Mateus entende por “dos céus” (tón ouranón, em grego), de origem divina, pois os céus são a morada de Deus (Is 66,1). A “parábola dos trabalhadores da vinha”, como é conhecida, ou “dos trabalhadores da undécima hora” – como foi intitulada pela Bíblia Sagrada das Edições CNBB –, conta-nos a história do proprietário da vinha que foi, em vários momentos do dia, contratando trabalhadores. Ele combinou com cada um dos trabalhadores um denário, moeda que correspondia ao salário de um dia de serviço. Na opinião de Bruce Malina e Richard Rohrbaugh, 2 o cenário descrito aqui se encaixa “bastante facilmente na experiência de camponeses mediterrâneos”. Estes deviam lutar amargamente para ganhar o salário de um dia, a fim de sobreviverem. Nessa parábola, Jesus compara o Reino dos Céus a um dia de trabalho, no qual um patrão sai a chamar pessoas bem cedo, à primeira hora, às nove da manhã, ao meio-dia, à tarde e na última hora, como uma entidade patronal. “Temos um dono de casa como um típico patrono mediterrâneo”. 3 Para esses autores, trata-se de uma espécie de sistema de patronagem na Palestina romana.

Observe-se que ninguém está à procura de trabalho, mas é o patrão que sai de madrugada para escalar trabalhadores. Reiteradas vezes, esse patrão volta à sua função de empregar pessoas para a vinha. Essa imagem retrata um Deus ativo, que sai à procura dos seus, levando-os a se ocuparem de sua vinha, seu Reino. Como retribuição, ele paga a todos, aos primeiros e aos últimos empregados, o mesmo salário, um denário. Ele cumpre o acordo preestabelecido e mostra sua patronagem ao “dar a este último o mesmo que a ti” (v. 14). Portanto, não há pretexto para reclamar de sua justa medida. Os insatisfeitos lançam mau-olhado de inveja contra o patrão, e ele diz: “Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou me olhas mal porque estou sendo bom?” (v. 15). Há nesse versículo uma antítese de expressões: olhar mal, ser bom.

Por fim, a parábola nos ensina que o Reino dos Céus é para todos, que, indistintamente, são convidados a participar da vinha, da peleja na lavoura de Deus (1Cor 3,9), do seu Reinado. Deus mesmo paga a cada um por seu trabalho, não segundo nossas conveniências capitalistas e pessoais nem segundo nossa forma de quantificar ou de retribuir. O Reino é de Deus, a dinâmica salvífica (soteriológica) é dele também, e tudo se baseia em sua gratuidade. Para nós, basta nos configurarmos à sua maneira de pensar e de agir e não nos fixarmos em nossas idiossincrasias (obsessões) humanas.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Evidencia-se aqui que as três leituras estão intrinsecamente articuladas. Desde a primeira até o Evangelho, percebe-se o amor de Deus agindo. Sua ação é desmesuradamente diferente da nossa, seu agir é compassivo, clemente e misericordioso. Deus não age segundo preferências, favoritismos e conveniências humanas, tais como as “panelinhas” que cultivamos em nossas relações, as quais, aliás, podem vir a nos “fritar”. Pelo contrário, ele tem seu modo de pensar e agir e sai escalando a todos para sua lavoura espiritual, o seu Reinado. Basta que estejamos abertos para participar de sua vinha com generosidade, e não reclamando de tudo, até do direito dele de salvar aqueles que chegaram na última hora: lembremo-nos de que estes são tão filhos(as) de Deus quanto nós.

Junior Vasconcelos do Amaral*

*Pe. Junior Vasconcelos do Amaral é presbítero da arquidiocese de Belo Horizonte-MG. Doutor em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje – Belo Horizonte), realizou parte de seu doutorado na modalidade “sanduíche”, estudando Narratologia Bíblica na Université Catholique de Louvain (Bélgica). É professor de Antigo e Novo Testamentos na PUC-Minas e publicou vários artigos sobre o Evangelho de Marcos e a paixão de Jesus em perspectiva narratológica. E-mail: jvsamaral@yahoo.com.br

Fonte: Vida Pastoral
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