A fecundidade da vida está em permanecer no Ressuscitado!
I. Introdução geral
Somos a tensão entre fecundidade e esterilidade. Ninguém consegue ser abundante o tempo todo, sem ser atravessado pela falência. Jesus, especialista em vida plena, neste 5º domingo da Páscoa, convida a “permanecer” nele para “produzir frutos”, como o ramo permanece unido à videira.
A fecundidade da vida se realiza à medida que amadurecemos aquilo que somos, deixamos cair as máscaras de disfarce e assumimos um caminho de autonomia e de liberdade, capaz de tomar decisões e fazer escolhas. De fato, o primeiro mandamento de Deus para suas criaturas foi: “Sejam fecundos” (Gn 1,22). Gerar mais vida, expandir a vida, é vocação que nos põe diante das tensões do fechamento e do isolamento.
A contradição também fez parte da vida de Paulo. Ele, que se tornou um dos maiores evangelizadores e missionários de Jesus Cristo, enfrentou muitas resistências da comunidade nascente, que “não acreditava que ele fosse discípulo”, como afirma a primeira leitura, dos Atos dos Apóstolos. A vida de perseguidor, própria de quem fere a vida do outro, ainda gritava alto e causava medo. No entanto, o amor por Jesus, vivido, como sublinha a primeira carta de João, “com ações e de verdade”, é portador de nova fecundidade na história do apóstolo.
Para adentrar nos textos da liturgia da Palavra, somos motivados por uma inspiração do Pe. Ermes Ronchi (homilia de 2/5/2021 – disponível em www.avvenire.com, tradução nossa):
A moral do Evangelho consiste na fecundidade e não na observância de regras, e traz consigo alegres canções de colheita. No entardecer da vida terrena, a pergunta final, a verdade suprema da existência, não será sobre mandamentos ou proibições, sacrifícios e renúncias, mas focalizará toda a sua doce luz no fruto: depois que você passou no mundo, na família, no trabalho, na igreja, da sua videira, amadureceram cachos de bondade ou uma colheita de lágrimas? Atrás de você, ficou mais vida ou menos vida?
II. Comentário dos textos bíblicos
1. I leitura (At 9,26-31)
Saulo era um dos perseguidores mais cruéis da comunidade cristã nascente. Em certo momento da vida, “caiu do cavalo” e deu uma guinada total na sua existência, aderindo fielmente a Jesus Cristo. Era natural que houvesse resistência à sua conversão. A leitura se inicia afirmando que “Saulo chegou a Jerusalém para se juntar aos discípulos. Mas todos tinham medo dele” (v. 26).
Barnabé foi personagem fundamental para Saulo ser acolhido. De maneira bastante pedagógica, apresentou Saulo na perspectiva da sua história de conversão e da sua inflamada forma de pregar o Evangelho (v. 27). Barnabé ajudou a criar um clima de acolhida, de escuta e de rompimento de medos. É verdade que houve outras resistências, outros fechamentos, e não foram poucos os que se esforçaram para mandar o neoconvertido para longe de Jerusalém. Saulo acolheu tudo e viveu tudo em nome de Jesus. Sua conversão significou uma mudança total de identidade, a ponto de lhe alcançar até mesmo um novo nome, Paulo.
Não obstante as tensões, o livro dos Atos dos Apóstolos sublinha que tudo acontecia “com a ajuda do Espírito Santo” (v. 31). De fato, não é possível refletir sobre Saulo, Pedro ou qualquer dos discípulos sem a fecundidade do Espírito Santo, que mantém tudo ligado ao Senhor.
2. II leitura (1Jo 3,18-24)
No centro do anúncio de João está sempre o amor. Fora do amor não há vida fecunda! De diversos modos, com diferentes tons, acentuando dimensões particulares, suas cartas sempre retornam ao amor como grande núcleo central. Trata-se do amor da Páscoa, um amor que João não cansou de contar ao mundo. No entanto, o autor assume que um salto é sempre fundamental: “Filhinhos, não amemos só com palavras e de boca, mas com ações e de verdade” (v. 18). Aqui está uma das respostas fundamentais ao convite para “produzir frutos” de Jesus, no Evangelho.
Nesse sentido, João nos convida a fazer uma avaliação da nossa trajetória: diante do amor proclamado e realizado “está o critério para saber que somos da verdade” (v. 19). O amor a Jesus Cristo e aos irmãos e irmãs deve ser a síntese verdadeira de todos os que creem. Nesse amor, realizamos os mandamentos: “Quem guarda os seus mandamentos permanece com Deus e Deus permanece com ele” (v. 24). A fecundidade da vida cristã está na acolhida de um estilo de vida que seja concordante, em forma e conteúdo, com a lógica de Deus sintetizada no mandamento do amor.
3. Evangelho (Jo 15,1-8)
A palavra-chave para meditar o Evangelho é “permanecer”. De fato, ela aparece sete vezes, sugerindo também um símbolo de integralidade na direção dos frutos para o Reino. O anúncio da partida de Jesus, com seu discurso de despedida, causou assombro e medo nos discípulos. Quando tudo parecia o fim, Jesus indicou a consolação para todos os que creem: a comunhão profunda e real com ele.
O ramo unido à videira sugere a adesão dos discípulos a Jesus Cristo. Com base nessa unidade, é possível viver uma vida fecunda: “assim também vós não podereis dar fruto se não permanecerdes em mim” (v. 4). A imagem da videira foi, muitas vezes, usada pelos profetas para descrever o povo de Israel, que, ao quebrar a aliança com Deus, se tornava estéril (cf. Is 5). Romper com o amor de Deus é romper com a fecundidade! Jesus se apresenta como “a verdadeira videira” (v. 5) que permanece sempre unido ao Pai e, por isso, realiza muitos frutos.
Produzir frutos é tornar a vida capaz de gerar mais vida! Uma das primeiras formas de realizar essa vocação é viver em comunhão com os outros e com toda a casa comum, abrindo-se para as relações e os vínculos. Todo ramo, ligado à videira, depende dos outros ramos para produzir frutos. A comunhão sugerida por Jesus encontra sentido no amor: não é possível dar frutos fora do amor. O fruto vem do amor e é o amor!
O Evangelho constitui uma escola para aprendermos a amar em meio às nossas contradições. A seiva do amor, tal como a seiva da videira, já pulsa no nosso interior. É preciso deixá-la fluir, crescer, rompendo com todo impulso de isolamento. Dispormo-nos a “permanecer” em Jesus significa, com a ajuda do Espírito Santo, assumir um estilo de vida de abertura e de reconstrução da nossa identidade, tal como viveu Paulo. “Permanecer” não é uma tarefa fácil; exige enfrentar-nos interiormente, significa aprender a renascer das contínuas “podas da videira”, sempre na direção do amor. Podar a videira não significa matá-la, mas abrir espaço para que mais vida, mais fecundidade, possa se realizar.
III. Pistas para reflexão
Deus está continuamente presente na nossa vida, qual seiva que ajuda a circular e gerar comunhão. É sua graça que sustenta a construção cotidiana do amor e abre canais para realizar nossa vocação de discípulos. Paulo experimentou, em meio às suas contradições, essa graça, que o convidava a dar o salto para a vida nova, a vida maior! Graça à qual João sugeriu responder por meio do amor, com palavras e obras de verdade. Algumas questões pessoais, que também podem ser questões comunitárias, abrem um caminho de meditação: Como tenho frutificado minha vida? Como tenho amadurecido e me tornado aquilo que, de verdade, sou? Quais conversões são necessárias? Como vivo minhas relações? Qual é a fonte da comunhão que vivo? De que seiva tenho me nutrido?
Maicon André Malacarne*é presbítero da diocese de Erexim-RS. Possui mestrado em Teologia Moral pela Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma), onde atualmente é doutorando na mesma área. É especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje – Belo Horizonte-MG), formado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Berthier (Ifibe – Passo Fundo-RS) e em Teologia pela Itepa Faculdades (Passo Fundo-RS). É aluno de doutorado em Teologia Moral da Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma). E-mail: maiconmalacarne@gmail.com