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Roteiro homilético: 29 de Dezembro (SAGRADA FAMÍLIA, JESUS, MARIA E JOSÉ)

A Sagrada Família e a sagrada capacidade de procurar Jesus!

I. Introdução geral

A perda de Jesus no templo, quando foi apresentado ao completar 12 anos, conforme previa a Lei judaica, exigiu uma reorganização do itinerário de José e Maria, que já retornavam para casa com os demais companheiros de viagem: “Não o tendo encontrado, voltaram para Jerusalém à sua procura”. A capacidade de reorganizar a vida, de refazer o caminho, é uma exigência para todas as famílias quando diante de grandes desafios.

Na Exortação Apostólica Pós-sinodal Amoris Laetitia, sobre o amor nas famílias, o papa Francisco retomou uma expressão que usou por ocasião do Encontro com as Famílias, na visita que fez a Cuba em 2015: “As famílias não são um problema, são sobretudo uma oportunidade” (AL 7). Iluminados pela Sagrada Família de Jesus, Maria e José, a liturgia desta festa possa abrir nossos olhos para a importância da família e para a exigência de nos reinventarmos, refazendo os caminhos para reencontrar o amor.

II. Comentário dos textos bíblicos

1. I leitura (Eclo 3,3-7.14-17a)

O livro do Eclesiástico é um livro de conselhos, de expressões que faziam parte de uma espécie de sabedoria popular. Um dos principais argumentos é a forma de se comportar com as pessoas, de respeitar, de acolher: pais e filhos, marido e esposa, jovens e velhos, patrão e empregado e assim por diante.

Nesse trecho da leitura, dedicado às relações familiares, a palavra que se repete e merece atenção é “honrar”. Derivam de “honrar” outros verbos – respeitar, obedecer, amparar, compreender, servir… De imediato, o texto faz lembrar uma das palavras da Lei: “Honre seu pai e sua mãe. Desse modo, Deus prolongará a vida na terra que Javé seu Deus lhe dá” (Ex 20,12). É interessante o acréscimo que o autor faz a essa palavra: “prolongará a vida”. É como se estivesse dizendo que, conforme cresce o amor ao pai e à mãe, cresce a capacidade de viver.

Uma das formas mais bonitas de amar é honrar. A honradez está muito próxima ao respeito, à delicadeza, ao afeto, à ternura, à escuta, que são uma espécie de “refazimento de caminho” de uma sociedade marcada por relações descartáveis e interesseiras, também na família.

2. II leitura (Cl 3,12-21)

A festa da Sagrada Família vem iluminada pela carta de Paulo aos Colossenses: “sobretudo, amai-vos uns aos outros” (v. 14). O amor é não somente um sentimento de bem-querer, de estima, senão também “o vínculo da perfeição” (v. 14); ou seja, o amor é um estilo de vida, uma forma de relacionamento que exige maturidade, diálogo frequente, enfrentamento das crises e opção pelo perdão. É por dentro do amor que podemos fazer e refazer nossos itinerários de família, como fizeram Maria e José.

Para alcançar o amor, São Paulo sugeriu “revestir-se” de roupas bem específicas: “misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência” (v. 12). Pensemos nas relações e em como seria diferente se essas vestimentas fossem mais bem aperfeiçoadas no corpo da família. Elas nos ajudam a “suportar-nos” (v. 13), ou seja, a carregar-nos mutuamente quando faltam as forças, e, ademais, incentivam-nos a alcançar a forma mais alta do amor, que é o perdão.

O amor na família deve estar sempre bem vinculado ao amor a Cristo. A perfeição vem da abertura à sua Palavra, do testemunho da fé e da fidelidade às promessas de amor que vamos fazendo durante a vida.

3. Evangelho (Lc 2,41-52)

Jesus foi apresentado no templo ao completar 12 anos. Trata-se da idade da maturidade. Era um costume os meninos serem acolhidos oficialmente na comunidade judaica nessa idade. Maria e José acompanharam Jesus para cumprir o ritual, que ocorria durante a festa da Páscoa. Ao fim, os pais de Jesus e a caravana começaram a retornar para Nazaré e caminharam por um dia inteiro. Maria e José achavam que Jesus estivesse com outros parentes; quando se deram conta, Jesus tinha se perdido. Demoraram três dias para encontrá-lo.

Maria e José, com o episódio, começaram a entender que deveriam “procurar Jesus” (v. 45) não no sentido físico, mas teológico. Este é o movimento da fé: procurar o Senhor e deixar-se encontrar por ele. É isso que muda tudo! Para fazê-lo, precisaram “refazer o caminho”, voltar por onde já tinham passado, rever as estradas que já tinham sido pisadas. Era o caminho natural, de sempre, mas, a partir de Jesus, o caminho é diferente! Refazê-lo significa fazê-lo com outro sentido, com o olhar iluminado, com o coração aberto para encontrar o Senhor.

O movimento da Sagrada Família abre uma fenda de luz para todas as famílias: toda família precisa “procurar Jesus” para viver de outros jeitos, para refazer o cotidiano, para aprender a descansar das estradas que se repetem e parecem já não fazer sentido. O “sempre foi assim” pode não responder mais. Voltar, procurar, refazer são movimentos a serem feitos por todas as famílias!

Maria e José vivem a plenitude de serem uma família e testemunham que nenhuma família pode se fechar num único e mesmo movimento. Nenhuma família tem um mapa com todas as respostas. Família é abertura, é capacidade de procurar, é urgência de refazer, é a disposição de olhar para a frente sem ter medo de caminhar de um jeito novo, porque ali mora a surpresa e ali mora o coração.

“Devo estar na casa de meu Pai” (v. 49), respondeu Jesus, quando finalmente seus pais o encontraram. Parece uma resposta dura, mas é o difícil caminho de liberdade que todo filho deve enfrentar para alcançar autonomia. Os filhos não são propriedades particulares; nascem para ser livres, e só amadurecendo em cada escolha e no enfrentamento das perguntas da vida podem alcançar a felicidade verdadeira.

III. Pistas para reflexão

O desmantelamento da família é um projeto para fragmentar os vínculos e enfraquecer o ser humano. É verdade que cada tempo exige compreender melhor o significado da família e aprofundar a qualidade das relações, mas é inegável que a família continua a ser a célula fundamental para a construção da identidade humana. Nesse sentido, o convite a “honrar” e a “revestir-se” das qualidades do amor é fundamental. Tudo ganha outro sentido quando há abertura para “refazer” os movimentos que já não nos levam ao Senhor.

Na oração do Angelus de 26 de dezembro de 2021, o papa Francisco insistiu nas boas relações familiares, que se fortalecem quando o “eu” diminui e se fortalece o “tu”:

Na Sagrada Família, antes o tu e depois o eu. Para preservar a harmonia na família, é preciso combater a ditadura do eu. É perigoso quando, em vez de nos ouvirmos, jogamos os erros na cara; quando, em vez de termos gestos de cuidado para com os outros, nos fixamos em nossas necessidades; quando, em vez de dialogar, nos isolamos com o celular – é triste ver no almoço uma família, cada um com seu celular, sem se falar, cada um fala com o celular; quando nos acusamos mutuamente, sempre repetindo as mesmas frases, encenando uma comédia já vista, onde cada um quer ter razão e no final impera um silêncio frio.

 

Pe. Maicon André Malacarne* é pároco da paróquia São Cristóvão, Erechim, diocese de Erexim-RS. Possui mestrado em Teologia Moral pela Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma), onde cursa o doutorado. É especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje, Belo Horizonte-MG); formado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Berthier (Ifibe, Passo Fundo-RS) e em Teologia pela Itepa Faculdades (Passo Fundo-RS). E-mail: maiconmalacarne@gmail.com

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