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Roteiro homilético: SANTA MARIA, MÃE DE DEUS

Maria, Mãe de Jesus e nossa

I. INTRODUÇÃO GERAL

O mês de janeiro é sempre tempo de recomeçar. Desejamos a todos e todas que nos leem um feliz ano de 2024, repleto de paz, saúde e amor. Que o Bom Deus, nascido em Belém, nos acompanhe pelos caminhos do mundo. Todas as leituras deste primeiro dia do ano nos levam a considerar Maria como a Mãe de Deus, Jesus Cristo, e também nossa Mãe – pela fé em seu Filho. Na primeira leitura, ouvimos o relato da bênção sacerdotal, que faz brilhar sobre nossa face a luz de Deus, constituindo-nos homens e mulheres de paz (shalom). O Evangelho nos convida a olhar, neste tempo do Natal, para a manjedoura e ver lá o Amor encarnado. É com esse Amor que a segunda leitura nos chama a nos relacionarmos, não como escravos, mas livres, em Cristo Jesus, o Filho de Deus.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Nm 6,22-27)

A primeira leitura está inserida no fim do capítulo 6 do livro dos Números, cuja temática central é o nazireato, o voto realizado por um homem ou mulher em sua consagração a Deus. Nm 6,22-27 corresponde ao ritual de bênção sacerdotal. Grosso modo, o livro dos Números pertence à tradição que conhecemos como Código Sacerdotal, Priestercodex. Esse ritual de bênção se associa ao múnus santificante do povo de Deus rumo à Terra Prometida, aludindo ao nosso múnus santificador da Igreja hoje, rumo à Páscoa definitiva em Cristo. Também nós somos convidados à mesma prece neste primeiro dia do ano. A fórmula da bênção remonta a Lv 9,22-23: o ato mesmo de Aarão, o sacerdote e irmão de Moisés, que levanta as mãos e abençoa o povo. Esse rito sacerdotal é também conhecido como cheirotonia (“ch” tem som de “r”), usado em nossas liturgias cristãs na epiclese sobre os dons do pão e vinho, pelo presbítero ou epíscopo que presidem a celebração eucarística, e, no fim, para a bênção de envio do povo à missão. Nm 6,22-27 reflete a resposta de Deus, Adonai, à manutenção da pureza e à generosa dedicação voluntária em prol da comunidade. O texto hebraico preserva a tradição oral do pré-exílio e mostra um estilo poético como nos Salmos (cf. Sl 67,1). O direito de invocar o nome santo do Senhor está reservado a Aarão e aos seus filhos sacerdotes. Os conceitos de guardião de Israel (v. 24), de resplandecimento do rosto de Deus ou sua presença mesma (v. 25) e de sua benignidade, face divina e paz (v. 26, o shalom) estão aqui arquitetados e arrematados em uma bênção, que deverá ser pronunciada sobre os israelitas, e o Senhor os abençoará (v. 27) de modo confirmativo e afirmativo. Essa bênção tem como elemento-chave a ideia de que o Senhor, em tempos de angústia, teria “escondido sua face” e abandonado seu povo (cf. Dt 31,18; Sl 30,8; 44,25; 104,29). O shalom, nessa bênção, tem sentido mais amplo, refletindo a “inteireza” e o “bem-estar”.

2. II leitura (Gl 4,4-7)

A carta aos Gálatas envolve polêmica, uma vez que Paulo escreve aos irmãos da Galácia a fim de evitarem os erros dos judaizantes e, assim, não se apegarem veementemente à Lei, pois foi para a liberdade que Cristo nos libertou (Gl 5,1). A passagem deste dia, Gl 4,4-7, está inserida na temática sobre a filiação divina do Filho de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo, “nascido de mulher, nascido sob a Lei” (v. 4), para resgatar os que estavam sob a Lei, com a finalidade de que recebessem a adoção filial (v. 5). É pelo Espírito de Cristo, que clama em nós, que dizemos Abbá, o que se traduz por “Pai” (v. 6). Nessa passagem, como em outras, Paulo resgata o caráter pneumatológico da carta: é o Espírito Santo que vem em nosso socorro e nos ajuda a viver como filhos e filhas de Deus; foi dessa mesma forma que o Filho, Jesus, viveu, em toda a sua condição humana, exceto no pecado – que, infelizmente, habita em nós pela liberdade que temos de escolher, pois às vezes escolhemos errado. Paulo assim conclui: “porque sois filhos… sois também herdeiros” da salvação de Deus (v. 7). Nesse sentido, a carta aos Gálatas se define como uma espécie de “rascunho” da carta aos Romanos, pois somos todos justificados, no Espírito que habita em nós, por Cristo, junto ao Pai, perfazendo assim o mistério trinitário em nossa fé batismal.

3. Evangelho (Lc 2,16-21)

O Evangelho da infância, no qual o texto desta solenidade está inserido, constitui um midrash, uma forma rabínica de interpretar e escarafunchar, na história do povo, o sentido do nascimento de Jesus. Belém – do hebraico, Bet Helem – é a “Casa do Pão” onde nasce o menino Jesus, numa manjedoura. Os pastores (Lc 2,15) vão até lá para ver o Senhor. O verbo utilizado por Lucas é ídomen, derivado de eidén, e traduz um sentido de “identificar”, “conhecer”. Trata-se de verbo frequentemente utilizado nos Evangelhos para traduzir essa relação estrita entre as pessoas que se conhecem, se identificam umas com as outras e estabelecem amizade. É interessante notar que esse verbo é o mesmo utilizado por Jesus quando olha tanto para seus discípulos quanto para o povo que estava como ovelhas sem pastor (Mc 6,34).

Os pastores chegam às pressas, a exemplo de Maria, que também saiu apressadamente para visitar sua prima Isabel (Lc 1,39). Trata-se da expectativa feliz por se encontrarem com o Messias. Lá eles encontram Maria, José e o menino recém-nascido deitado na manjedoura (v. 16). O verbo ver aparece novamente no v. 17: ao verem o menino, contaram o que já haviam ouvido sobre ele, desde os tempos antigos. Trata-se aqui de uma interpretação, um derash, retirando do passado as melhores recordações, aquilo que ficou na memória do povo. Os pastores deixavam todos maravilhados com o que diziam (v. 18). Maria conservava todas as coisas, misteriosamente, em seu coração e nelas meditava (v. 19). O coração – em hebraico, lev –, para os judeus, é lugar das decisões mais importantes, lugar onde se assentam a Lei e o amor. Os pastores voltaram glorificando e louvando a Deus por tudo o que viram e ouviram, conforme lhes tinha sido dito (v. 20). O texto conclui com o cumprimento ritual da Lei no oitavo dia, a circuncisão do menino e a purificação da mãe. Foi dado ao menino o nome Jesus, que significa “Deus salva”, conforme o anjo indicara anteriormente (v. 21).

Lucas assim entretece, no relato do nascimento de Jesus, a tradição sobre os pastores, a visitação do anjo, a alegria típica de seu Evangelho, dentro de uma colcha de retalhos na qual se destaca a maternidade de Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Mostrar a relação entre as três leituras, destacando que a bênção do passado, dada pelos sacerdotes, agora se traduz no nascimento de Jesus, tanto para a vida de Maria e José quanto para a de todos nós, que ainda celebramos o tempo do Natal. Enfatizar que Cristo nos libertou para vivermos não um conglomerado de leis e rituais, mas o verdadeiro amor a Deus e aos irmãos e irmãs. Perceber que a maternidade de Maria foi primeiramente vivida na fé, pois ela acolheu a Palavra de Deus pelo ouvido, e agora essa Palavra nasce entre nós, renovando nossa alegria, como outrora renovou a alegria dos pastores.

Pe. Junior Vasconcelos do Amaral* é presbítero da arquidiocese de Belo Horizonte-MG e vigário episcopal da Região Episcopal Nossa Senhora da Esperança. Doutor em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje – BH), realizou parte de seus estudo de doutorado na modalidade “sanduíche”, cursando Narratologia Bíblica na Université Catholique de Louvain (Louvain-la-Neuve, Bélgica). Atualmente, é professor na PUC-Minas, em BH, e pesquisa sobre psicanálise e Bíblia. E-mail: jvsamaral@yahoo.com.br

Fonte: Vida Pastoral

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