Pedro e Paulo, testemunhas de fé no Senhor
I. INTRODUÇÃO GERAL
Na solenidade de São Pedro e São Paulo, pilares da Igreja, a liturgia nos convida a celebrar o testemunho desses mártires da fé. Ambos representam duas dimensões da vocação apostólica, diferentes, mas complementares: carisma e instituição. Paulo, o grande missionário entre os gentios; Pedro, o guardião da fé. Seus testemunhos de vida tornam-se instrução para nós, cristãos, assumirmos a fé em todas as circunstâncias da vida e confiarmos plenamente em Deus, que sustenta e conduz sua Igreja.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
I leitura (At 12,1-11): Deus liberta Pedro da prisão
Nesse texto, Lucas narra a milagrosa libertação de Pedro por parte do anjo do Senhor, em claro paralelo com a prisão de Jesus na Páscoa (Lc 22,1) e sua apresentação “diante do povo” (Lc 23,13-25). Isso significa que o apóstolo Pedro participa do mesmo destino de Jesus. Sua prisão, assim como o martírio de Tiago (filho de Zebedeu), faz parte da decisão do rei Herodes de tentar destruir a Igreja, prendendo e matando seus líderes.
Todos os detalhes da narrativa da prisão de Pedro – por exemplo, o reforço das guarnições, o estar preso por correntes – têm o objetivo de evidenciar a iniciativa e a grandeza da ação libertadora de Deus, pois a fuga não seria possível. Deus intervém libertando Pedro, como resposta à oração incessante da Igreja, reunida em solidariedade à situação do apóstolo. A reação de Pedro, na prisão, demonstra sua serenidade e plena confiança em Deus, pois estava preparado para morrer por sua fé.
Lucas fala da libertação do cárcere com termos que fazem pensar na libertação de Israel do Egito por YHWH: ele vem de noite (v. 6; cf. Ex 12,8), durante a festa da Páscoa (v. 4); Pedro é convidado a pôr as sandálias nos pés (v. 8; cf. Ex 12,11), porque será “libertado da mão do opressor” (v. 11; cf. Ex 18,4.8.9.10; 1Rs 10,18; Jr 41,13) e conduzido para fora da prisão, como Israel para fora do Egito (v. 17; cf. Ex 32,1). Desse modo, Pedro vive uma nova Páscoa de libertação. Ele faz a experiência do Deus libertador, o Deus do “êxodo”, que age assim ao longo da história da salvação.
Emerge também o rosto da comunidade cristã, que, exposta à perseguição, reage não com ódio e violência, mas com a oração. E a oração, por sua vez, manifesta o vínculo fraterno que une os membros entre si numa verdadeira família, na qual se partilham os sofrimentos e as alegrias. Assim, a comunidade cristã, como um todo, aparece como lugar onde é possível a homens e mulheres experimentarem verdadeira comunhão de vida com Deus e verdadeira relação de fraternidade entre si.
II leitura (2Tm 4,6-8.17-18): Paulo oferta sua vida a Deus
Na segunda carta a Timóteo, temos o resumo da vida de Paulo, de sua plena dedicação à evangelização entre os pagãos. As cartas a Timóteo, escritas na prisão, em Roma, são testemunho do alcance da missão evangelizadora do apóstolo. Nesse contexto, em que pensava que seria condenado à morte, Paulo pode, com toda a serenidade de quem cumpriu sua obra, abandonar-se nas mãos de Deus. No fim de sua carreira, pode oferecer sua vida como “oferenda adequada” a Deus, assim como ele ensinou em sua pregação (Rm 12,1). Paulo não quer dizer somente que chegou ao término de sua vida, mas deixa entender que sua morte é, de certo modo, uma oferenda sacrificial, unida à de Cristo.
Usando as imagens de “combate” e “carreira”, tomadas das competições atléticas, Paulo expressa o encerramento de seus anos de apostolado: “Combati o bom combate, terminei minha carreira, guardei a fé” (v. 7). A “fé”, nesse contexto, equivale à fidelidade à fé, ao projeto de Deus, do qual não se omite nenhuma de suas exigências, assim como o atleta leva a cabo todas as exigências para, então, receber a coroa da vitória (2Tm 2,5).
Essa passagem reflete a experiência viva da Igreja na segunda geração cristã. São tempos difíceis, nos quais o mais importante é manter fielmente a rota empreendida, apesar de todas as dificuldades e tribulações.
Evangelho (Mt 16,13-19): A Igreja é edificada na fé dos apóstolos
No Evangelho, Jesus conscientiza os apóstolos, perguntando-lhes quem ele é na opinião dos outros e deles mesmos. Em relação às pessoas, a resposta dos discípulos explicita as diversas esperanças messiânicas populares. O que interessa, no entanto, é a resposta daqueles que caminham com Jesus, se os discípulos realmente entendem a verdadeira identidade do seu Mestre. Então Pedro, representando a comunidade, toma a iniciativa e responde, de forma acertada, que Jesus é o “Cristo, Filho do Deus vivo” (v. 16). Sua resposta, nesse contexto, constitui verdadeira profissão de fé, que não é fruto das especulações humanas, mas sim da revelação divina. É o próprio Pai quem o revela à comunidade dos seguidores de Jesus, aqui representada por Pedro. Tal profissão de fé só foi possível porque a comunidade se abriu à revelação divina, deixou-se conduzir por ela. E é sobre a fé confessada no Cristo, Filho do Deus vivo, que a Igreja é edificada. Fazendo um trocadilho com a expressão “essa pedra” e o nome “Pedro”, o texto nos diz algo sobre Pedro e sobre a Igreja. Ao dar a Simão o nome Pedro, Jesus confere ao apóstolo a missão de dar firmeza aos seus irmãos (Lc 22,32), ser uma rocha que os sustente na caminhada. Em relação à Igreja, o texto indica, de forma essencial, que a Igreja está fundamentada em Jesus, pedra angular (Mt 21,42), confessado como Messias por aqueles que o seguem, a comunidade de fé.
Uma vez que a comunidade cristã é edificada sobre a fé em Jesus Cristo, o Filho de Deus, “as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (v. 18). Tais palavras querem dizer que as potências do mal e da morte não poderão nada contra a Igreja, que é uma realização provisória do Reino de Deus. Como realização do Reino na provisoriedade da história, a Igreja também recebe uma tarefa, simbolizada pelas “chaves do Reino dos Céus”: cuidar da obra divina, não como seu proprietário – pois o Reino é de Deus –, mas assumindo o serviço de mordomo, cuja tarefa é cuidar da casa para seu verdadeiro senhor (Is 22,22). Isso significa que o representante dos Doze, Pedro, tem como tarefa o cuidado pastoral, administra as responsabilidades da evangelização. É o papel de quem está à frente da “casa”, seja um líder em sua comunidade, um presbítero em sua paróquia ou um bispo em sua diocese.
Uma das tarefas da Igreja é ligar ou desligar do Reino do Céu tudo o que está na terra. Essa tarefa não diz respeito, de forma alguma, a uma autoridade soberana do chefe da Igreja, mas se refere à responsabilidade pastoral na orientação dos fiéis em sua comunhão com Deus e com a comunidade crente, concretizada na visibilidade do sacramento da reconciliação.
Assim, por meio de seus pastores, no ministério da reconciliação, a Igreja não só declara que alguém está excluído oficialmente da comunhão plena com ela, que faz a mediação da comunhão com Deus, mas também exerce sua missão de readmitir e reconciliar quem se encontrava separado dela, uma vez cumpridas certas condições que sinalizem verdadeira conversão.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
A Igreja, representada nesses dois apóstolos, é formada por pessoas que professam sua fé no Cristo e assumem essa mesma fé na vida, de modo concreto, por suas ações, palavras e compromisso com o Reino de Deus. Essa é a verdade do testemunho de Pedro e Paulo, apóstolos de Cristo que foram até as últimas consequências em sua missão de anunciar a Boa-nova da salvação. Por isso, ambos são referenciais para a vivência da fé. Eles nos lembram que a liderança, na comunidade de fé, é serviço aos irmãos e irmãs, ajudando-os a solidificar a fé e levar adiante a missão iniciada pelo Mestre Jesus.
Ir. Márcia Eloi Rodrigues*
*é religiosa do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Possui graduação, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje (Belo Horizonte-MG). É professora de Sagrada Escritura. E-mail: ir.marcianj@gmail.com